Mais de seis lustros passaram.
Francisco Teodoro, o industrial suicída, experimentara pavorosos suplícios nas trevas…
Defrontado por crise financeira esmagadora, havia aniquilidado a existência.
Tivera vida próspera. À custa de ingente esforço, construíra uma fábrica.
Importando fios, conseguira tecer casimiras notáveis. E o trabalho se lhe desdobrava, promissor. Operários e máquinas eficientes, armazéns e lucros firmes.
Surgira, porém, a retração dos negócios.
Humilhavam-no cobranças e advertências, a lhe invadirem a casa. Frases vexatórias espancavam-lhe os ouvidos.
— Coronel Francisco, trago-lhe as promissórias vencidas.
— Senhor Francisco, nossa firma não pode esperar.
O capitão do serviço pedia mais tempo; apresentava desculpas; falava de novas esperanças e comentava as dificuldades de todos.
Meses passaram pesadamente.
Cartas vinagrosas chegavam-lhe à caixa postal.
Devia a credores diversos o montante de oitocentos contos de réis. A produção, abundante, descansava no depósito, sem compradores. Procurava consolo na fé religiosa. Por toda parte, lia e ouvia referências à Divina Bondade. Deus não desampara as criaturas – pensava. Ainda assim, tentava a oração, sem abandonar a tensão.
E por que alguém o ameaçava de escândalos na imprensa, com protestos públicos, em que seria indicado por negociante desonesto, escreveu pequena carta, anunciando-se insolvável, e disparou um tiro no crânio. Com imenso pesar, descobriu que a vida continuava, carregando, em zonas sombrias de purgação, a cabeça em frangalhos…
Palavra alguma na Terra conseguiria descrever-lhe o martírio. Sentia-se um louco encarcerado na gaiola do sofrimento. Depois de trinta anos, pode recuperar-se, internando-se em casa de reajuste, reavendo afeições e reconhecendo amigos…
E agora que retornava à cidade que lhe fora ribalta do sofrimento, notava, surpreendido, o progresso enorme da fábrica que lhe saíra das mãos.
Embora invisível aos olhos físicos dos velhos companheiros de luta, abraçou, chorando de alegria, os filhos e os netos reunidos no trabalho vitorioso.
E após reconhecer o seu próprio retrato, reverenciado pelos descendentes no grande escritório, veio a saber que acontecimento importante sucedera cinco dias depois dos funerais em que a família lhe pranteara o gesto terrível.
À face de alteração na balança comercial do País, ante a grande guerra de 1914, o estoque de casimiras, que acumulara zelosamente, produziu importância que superou de muito a quatro mil contos de réis. Mostrando melancólico sorriso, o visitante espiritual compreendeu, então, que a Bondade de Deus não falhara.
Ele apenas não soubera esperar.
Fonte:
Livro Contos Desta e Doutra Vida, psicografado pelo médium Francisco Cândido Xavier, pelo espírito Hilário Silva, edição FEB.