Imaginem – dizia-nos um amigo, em agradável tertúlia, no Plano Espiritual – se alguns desencarnados, em desespero, aparecessem, de improviso, entre as criaturas humanas, reclamando supostos direitos deixados na Terra. Gritando os tormentos que lhes dilaceram a alma, vomitando impropérios e blasfêmias, não seriam considerados um bando de demônios? Irreconhecíveis, urrando de dor selvagem, humilhados e vencidos, tentando, debalde, retomar as expressões físicas que ficaram nos cadáveres, seriam tomados por monstros infernais, repentinamente soltos na via pública.
É verdade! – considerou um companheiro, melancolicamente – ninguém no mundo teria dificuldades em identificá-los como os velhos demônios da antiguidade. Os infelizes desse jaez, personificam perfeitamente, ante a observação popular, os Lucíferes, os Belcelins e os Astarots de recuados tempos. Os fantoches da dor sempre surgem ao entendimento infantil como gênios do mal.
Fez pequeno intervalo, sorriu e acentuou:
Bastaria, porém, leve exame para que atingissem o conhecimento real; os diabos seriam, de fato, seres horrendos, mas não repugnantes, nem espantosos.
Ouvindo-lhe as referências, lembrava a personagem satânica do livro de La Sage, a perturbar as casas madrilenhas, levantando-lhes os telhados; e, demonstrando que me percebia os pensamentos mais íntimos, outro amigo acrescentou:
As lendas de Asmodeu e Mefistófeles, no fundo, não terão origem diferente. Certo, a visão mediúnica favoreceu, entre os homens, a notícia dos tipos deploráveis que hoje conhecemos e dos quais Dante, em outro tempo, recebeu leves informes que enfeixou em seu poema célebre, de acordo com as suas tendências, conceitos e predileções de homem.
Nesse instante, um companheiro, ancião de muitas jornadas terrestres, fixou em nós um olhar percuciente e calmo e, valendo-se, talvez, da pausa mais longa, observou sensatamente:
Todos sabemos que a criação inteira é obra infinita de Deus e não podemos ignorar que todos os seres do Universo, desde as notas mais baixas aos cânticos mais altos da Natureza, no campo ilimitado da vida, são portadores da Centelha Imortal da Divindade. Em todos os departamentos sem número dos mundos inumeráveis palpita o amor, existe a ordem, permanece o sinal da prodigiosa herança da vida. Por isso mesmo, irmãos, toda expressão diabólica é perversão da bênção divina. Onde esteja a perturbação da harmonia universal, aí se encontra o adversário do Senhor. Vocês aludem, com muita oportunidade, aos mortos que se congregam em desespero, formando monstruosas paisagens, em que duendes, sem rumo, procuram em vão insinuar-se na existência dos homens da Terra. Se o olho humano pudesse identificá-los, possivelmente cessaria a continuação da vida na carne. Coletividades inteiras abandonariam o templo do corpo físico, tomadas de infinito e indomável pavor.
Escutávamos a palavra sábia em silêncio. E porque o intervalo se fizesse mais longo, o bondoso ancião, à maneira dos antigos filósofos gregos, rodeados de ouvintes atentos, continuou, com expressão significativa:
Assistia pessoalmente a uma aula de sabedoria, numa das cidades espirituais dos círculos de Marte, quando surpreendi uma lição interessante. Velho orientador de entidades inexperientes e juvenis comentava a existência dos inimigos da Obra Divina e explicava-se:
O diabo existe como personificação do desequilíbrio.
Como poderíamos caracterizá-lo? — interrogou um dos presentes.
É o protótipo da ingratidão para Deus – respondeu o venerável instrutor. O diabo é do Eterno o filho que menospreza a celeste herança. Recebe os tesouros divinos e converte-os em misérias letais. Das bênçãos que lhe felicita o caminho, faz maldições que estende aos semelhantes. Cego às belezas universais que o cercam, vive afirmando sua permanência no inferno, criação dele mesmo, em seu plano interior. É alma repleta de atributos sublimes que permanece, entretanto, na Obra do Pai, como gênio destruidor. É sábio de raciocínio, mas pérfido de sentimento. Seu cérebro elabora rapidamente as mais complicadas operações para a ofensiva do mal, todavia, seu coração é paralítico para o bem. Sua cabeça é fogo para a mentira, contudo, o seu peito é de gelo para a verdade. Escarra nas mãos que o acariciam, está sempre disposto a condenar, perverter e confundir os demais filhos de Deus, lançando a perturbação em geral, para que seus interesses isolados prevaleçam. Pela ciência e perversidade de que oferece testemunho, é um misto de anjo e monstro, no qual se confundem a santidade e a bestialidade, a luz e a treva, o céu e o abismo. Criatura desventurada pelo desvio a que se entregou voluntariamente é, de fato, mais infeliz que infame, merecendo, antes de qualquer consideração, nosso entendimento e piedade.
Nesse instante, em face da pausa do orientador, exclamou uma jovem do círculo, satisfeito pela possibilidade de cooperar no esclarecimento da tese em estudo:
Conheço-o! Eu conheço o diabo!
Você? — pergunta o instrutor, admirado. — Será possível?
E ela, radiante, respondeu:
Sim, já estive na Terra: Chama-se Homem!
Fonte:
Livro Lázaro Redivivo, psicografado pelo médium Francisco Cândido Xavier, pelo espírito Irmão X, edição FEB.