A igreja de Éfeso exigia de João a mais alta expressão de sacrifício pessoal, pelo que, com o decorrer do tempo, quase sempre Maria estava só quando a legião humilde dos necessitados descia o promontório desataviado, rumo aos lares, mais confortados e felizes. Os dias e as semanas os meses e os anos passaram incessantes, trazendo-lhes as lembranças mais ternas. Quando sereno e azulado, o mar lhe fazia voltar à memória o Tiberíades distante. Surpreendia no ar aqueles perfumes vagos que enchiam a alma da tarde, quando seu filho, de quem nem um instante se esquecia, reunindo os discípulos amados, transmitia ao coração do povo as louçanias da Boa Nova. A velhice não lhe acarretara nem cansaços nem amarguras. A certeza da proteção divina lhe proporcionava ininterrupto consolo. Como quem transpõe o dia em labores honestos e proveitosos, seu coração experimentava grato repouso, iluminado pelo luar da esperança e pelas estrelas fulgurantes da crença imorredoura. Suas meditações eram suaves colóquios com as reminiscências do filho muito amado.
Súbito recebeu notícias de que um período de dolorosas perseguições se havia aberto para todos os que fossem fiéis à doutrina do seu Jesus divino. Alguns cristãos banidos de Roma traziam a Éfeso as tristes informações. Em obediência aos éditos mais injustos, escravizavam-se os seguidores do Cristo, destruíam-se-lhes os lares, metiam-nos a ferros nas prisões. Falava-se de festas públicas em que seus corpos eram dados como alimento a feras insaciáveis, em horrendos espetáculos.
Então, num crepúsculo estrelado Maria entregou-se às orações, como de costume, pedindo a Deus por todos aqueles que se encontrassem em angústias do coração, por amor de seu filho.
Embora a soledade do ambiente, não se sentia só: uma como força singular lhe banhava a alma toda. Aragens suaves sopravam do oceano, espalhando os aromas da noite que se povoava de astros amigos e afetuosos e, em poucos minutos, a lua plena participava, igualmente, desse concerto de harmonia e luz.
Enlevada nas suas meditações, Maria viu aproximar-se o vulto de um pedinte.
“Minha mãe – exclamou o recém-chegado, como tantos outros que recorriam ao seu carinho – , venho fazer-te companhia e receber a tua benção.”
Maternalmente, ela o convidou a entrar, impressionado com aquela voz que lhe inspirava profunda simpatia. O peregrino lhe falou do céu, confortando-a delicadamente. Comentou as bem-aventuranças divinas que aguardam a todos os devotados e sinceros filhos de Deus, dando a entender que lhe compreendia as mais ternas saudades do coração. Maria sentiu-se empolgada por tocante surpresa. Que mendigo seria aquele que lhe acalmava as dores secretas da alma saudosa, com bálsamos tão dulçurosos?
Nenhum lhe surgira até então para dar; era sempre para pedir alguma coisa. No entanto, aquele viandante desconhecido lhe derramava no íntimo as mais santas consolações. Onde ouvira noutros tempos aquela voz meiga e carinhosa?! Que emoções eram aquelas que lhe faziam pulsar o coração de tanta carícia? Seus olhos se umedeceram de ventura, sem que conseguisse explicar a razão de sua terna emotividade.
Foi quando o hóspede anônimo lhe estendeu as mãos generosas e lhe falou com profundo acento de amor:
“Minha mãe, vem aos meus braços!”
Nesse instante fitou as mãos nobres que se lhe ofereciam, num gesto da mais bela ternura. Tomada de comoção profunda, viu nelas duas chagas, como as que seu filho revelava na cruz. Instintivamente, dirigindo o olhar ansioso para os pés do peregrino amigo, divisou também aí as úlceras causadas pelos cravos do suplício. Não pôde mais. Compreendendo a visita amorosa que Deus lhe enviava ao coração, bradou com infinita alegria:
— Meu filho! Meu filho! As úlceras que te fizeram!…
E precipitando-se para ele, como mãe carinhosa e desvelada, quis certificar-se, tocando a ferida que lhe fora produzida pelo último lançaço, perto do coração. Suas mãos ternas e solícitas o abraçaram na sombra visitada pelo luar, procurando sofregamente a úlcera que tantas lágrimas lhe provocara ao carinho maternal. A chaga lateral também lá estava, sob a carícia de suas mãos. Não conseguiu dominar o imenso júbilo. Num ímpeto de amor fez um movimento para se ajoelhar. Queria abraçar-se aos pés do seu Jesus e osculá-los com ternura. Ele, porém, levantando-a, cercado de um halo de luz celestial, se ajoelhou aos pés e, beijando-lhe as mãos, disse em carinhoso transporte:
— “Sim, minha mãe, sou eu! Venho buscar-te, pois meu Pai quer que sejas no meu reino a Rainha dos Anjos…”
Maria cambaleou, tomada de inexprimível ventura. Queria dizer de sua felicidade, manifestar seu agradecimento a Deus; mas o corpo como se lhe paralisara, enquanto aos seus ouvidos chegaram os ecos suaves da saudação do Anjo, qual se a entoassem mil vozes cariciosas, por entre as harmonias do céu.
No outro dia, dois portadores humildes desciam a Éfeso, de onde regressaram com João, para assistir aos últimos instantes daquela que lhes era a devotada Mãe Santíssima.
Maria já não falava. Numa inolvidável expressão de serenidade, por longas horas ainda esperou a ruptura dos derradeiros laços que a prendiam à vida material.
Fonte:
Livro Boa Nova, psicografado pelo médium Francisco Cândido Xavier, pelo espírito Humberto de Campos, edição FEB.